20 de maio de 2017

Qual a função dos "olhos falsos" dos caburés?

*por: Willian Menq.
As corujinhas do gênero Glaucidium são conhecidas por apresentar dois ocelos desenhados na parte de trás da cabeça, parecendo “olhos falsos”. Esses olhos falsos da nuca, que simulam um rosto, são chamados de face occipital.

Das 32 espécies existentes do gênero Glaucidium, 24 possuem a face occipital, incluindo as quatro espécies de caburés existentes no Brasil (G. brasilianum, G. hardyi, G. minutissimum e G. mooreorum). Além dos caburés, outros rapinantes de pequeno porte possuem face occipital.
Dentre essas espécies, podemos citar o quiriquiri (Falco sparverius) e várias outras aves que não ocorrem no Brasil (ex. Falco fasciinucha, Falco subbuteo, Surnia ulula, Athene noctua, Aegolius funereus, etc.).

Existem várias hipóteses que tentam explicar a função da face occipital dos caburés. Alguns especialistas acreditam que os falsos olhos servem para proteger as aves contra o ataque surpresa de predadores (Cott 1940, Balgooyen 1975, Steyn 1979). Outros pesquisadores, incluindo a mim, defendem que a face occipital serve para confundir pequenas aves durante o ‘comportamento de tumulto (mobbing behaviour)’, muitas vezes direcionando-as para a face verdadeira, aumentando as oportunidades de caça da coruja (Deppe et al. 2003, Negro et al. 2007).

Deppe et al. (2003) realizaram um estudo bastante interessante sobre o tema. Os autores usaram modelos de madeira da caburé-pigmeu (Glaucidium gnoma), com e sem face occipital, para ver se os passeriformes eram influenciados, ou não, pelos falsos olhos durante o comportamento de tumulto. O estudo apontou que os modelos com a presença da face occipital redirecionavam os ataques dos pequenos pássaros para a frente do modelo (onde estaria a face verdadeira). Negro et al. (2007) realizaram uma extensa revisão sobre as possíveis explicações da face occipital dos caburés, os autores descartaram a hipótese de proteção contra ataque de predadores, e concluíram que a face occipital está intimamente ligada ao comportamento de tumulto de suas presas, sendo uma ferramenta importante para enganar e predar as aves durante os eventos de tumulto.

A relação entre a face occipital e o comportamento de tumulto, faz bastante sentido. Na natureza, é evidente que os passeriformes quando detectam um rapinante, sempre atacam com investidas e rasantes na nuca do predador, uma vez que é a região mais "segura" para essas aves (menos risco de predação). E com a presença dos falsos olhos esses ataques seriam redirecionados para a frente da ave, como demonstrado no experimento de Deppe et al. (2003), facilitando a predação.

Além disso, os caburés e todas os outros rapinantes que possuem face occipital são diurnos, de pequeno porte, ágeis, e assim, mais susceptíveis de serem predadores eficazes de aves. Também há várias evidências que as corujas que tem face occipital são muitas vezes atacadas no evento de tumulto pelas mesmas espécies que geralmente caçam. No Brasil, Motta-Junior (2007) observou o ataque de um caburé (Glaucidium brasilianum) contra uma tesourinha (Tyrannus savana), que o atacava durante um comportamento de tumulto, o que reforça a hipótese.

Assim sendo, a explicação mais plausível é que os falsos olhos dos caburés evoluíram para confundir pequenas aves durante o comportamento de tumulto, aumentando as oportunidades de caça da coruja. Talvez a mesma explicação sirva para as outras espécies de rapinantes com face occipital.

Sequência de um ataque da caburé (G. brasilianum) contra uma tesourinha (T. savanna). A coruja capturou a ave pelo pescoço durante um evento de comportamento de tumulto. Fotos de: José Carlos Motta-Junior.





Literatura relacionada:

Balgooyen TG. 1975. Another possible function of the American kestrel’s deflection face. Jack-Pine Warbler 53: 115 116.

Cott HB. 1940. Adaptive coloration in animals. London: Oxford University Press

Deppe C, Holt D, Tewksbury J, Broberg L, Petersen J, Wood K. 2003. Effect of northern pygmy-owl (Glaucidium gnoma) eyespots on avian mobbing. Auk 120: 765–771.

Motta-Junior, J. C. 2007. Predação de Tyrannus savana, que exibia comportamento de tumulto, por Glaucidium brasilianum, no sudeste do Brasil. Biota Neotrop. vol. 7, no. 2.

Negro, J. J., Bortolottti, G. R. & Sarasola, J. H. (2007) Deceptive plumage signals in birds: manipulation of predators or prey? Biological Journal of the Linnean Society, 90, 467–477.

Steyn P. 1979. Observations on pearl-spotted and barred owls. Bokmakierie 31: 50–60.

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