15 de dezembro de 2018

Procurando rapinantes na África do Sul

Águia-de-bateleur (T. caudatus).
*por: Willian Menq
No mês passado fui para a África do Sul participar da Conferência Internacional de Aves de Rapina, organizada pela Raptor Research Foundation. O evento ocorreu entre os dias 12 e 16 de novembro, sediado no Skukuza Rest Camp, dentro do famosíssimo Parque Nacional Kruger. Fui acompanhado dos amigos "rapinólogos" Pedro Scherer-Neto e Rômulo Silva.

Nosso principal objetivo foi procurar as aves de rapina africanas. Alugamos um carro em Johannesburgo para ter uma maior liberdade nos nossos “safáris" e procurar a bicharada por conta própria.

O Parque Nacional Kruger, além de abrigar várias espécies icônicas de mamíferos, também é famoso por sua riqueza de aves, com mais de 550 espécies existentes, sendo 61 de rapinantes. É um parque imenso, com cerca de 20.000 km², onde os animais selvagens circulam livremente.

Chegamos no Kruger na tarde do dia 11 de novembro. Logo na chegada registramos várias espécies de aves, girafas e outros mamíferos. A primeira emoção “rapinológica” foi uma águia-de-bateleur (Terathopius ecadatus) que passou planando por cima de nós. É uma ave de silhueta única, com asas excepcionalmente longas e cauda curta, de modo que os pés se estendem além da cauda quando voa.

Na manhã seguinte saímos cedo do Skukuza Camp, onde estávamos hospedados. Avistamos muitos abutres-africanos (Gyps africanus), águias-fulva (Aquila rapax) e milhafres-de-bico-amarelo (Milvus migrans aegyptius). Na estrada vimos alguns carros parados com pessoas sacando câmeras e apontando para o mato. Geralmente essa cena ocorre na presença de algum grande mamífero. Para nossa surpresa, era uma bela águia-de-wahlbergi (Hieraaetus wahlbergi) pousada em uma árvore baixa, às margens da rodovia. Que águia linda! Mas o grande momento do dia estava por vir.

Durante o passeio, Rômulo sugeriu adentrar uma estrada de terra pouco movimentada, e assim fizemos. Após percorrer alguns quilômetros avistamos uma ave imensa pousada em uma árvore, rapidamente me dei conta que era a poderosa águia-marcial (Polemaetus bellicosus)!!

Águia-marcial (Polemaetus bellicosus) registrada às margens de uma estrada no Kruger National Park.
Que bicho incrível! Foi difícil conter a euforia e a emoção. Estávamos diante da maior e mais poderosa águia das savanas africanas, também uma das maiores do continente, possui de 78-96 cm de comprimento e peso de até 6,2 kg. Pedro começou a sussurrar dizendo que estava com “orgasmos ornitológicos múltiplos”, enquanto eu e o Rômulo tentávamos manter a calma para fotografar a ave.

A vontade de sair do carro e tentar um novo ângulo era imensa. Mas por motivos óbvios, é proibido sair do veículo, uma vez que o lugar é repleto de leões, hienas, leopardos e outros animais perigosos. Somente em algumas poucas áreas demarcadas é permitido descer do carro ou até caminhar, mas com placas avisando “por sua conta em risco” rsrs.

Com esse registro da águia-marcial encerramos nossa primeira manhã na África do Sul. No período da tarde assistimos algumas apresentações na conferência. Já no final do dia fomos contemplar o pôr do sol às margens do rio Olifant, onde algumas Haliaeetus vocifer (águia-pescadora-africana) vocalizavam.

No dia seguinte, 13 de novembro, saímos cedo para procurar a bicharada. Logo na saída encontramos um Kaupifalco monogrammicus (gavião-papa-lagartos), rapinante de coloração que lembra o nosso Buteo nitidus, mas com proporções e aparência que mais parece um pequeno falcão.

Um dos destaques da manhã ficou por conta de quatro Aquila spilogaster (águia-açor-africana) que circularam em voo sobre nosso carro. É uma espécie de águia muito bonita e imponente, de coloração predominantemente branca, com dorso e cabeça negra.

Gavião-papa-lagartos (Kaupifalco monogrammicus). Kruger National Park.
De tarde decidimos seguir por uma estrada que margeava o rio Olifants, onde a vegetação ao longo do rio era mais densa. Visualizamos muitas aves e grandes mamíferos, incluindo algumas águias-pescadoras-africanas (H. vocifer), abutres-africanos e abutres-capunho (Necrosyrtes monachus).

Fomos surpreendidos por um pequeno gavião que cruzou rapidamente a estrada. Depois de tanto procurar, localizamos o gavião: era um Accipiter badius (gavião-chicra), um pequeno e astuto predador de aves e lagartos. Na sequência, encontramos um Polyboroides typus (aguilucho-africano) em voo. É um gavião de aparência, ecologia e comportamento que lembra o nosso gavião-pernilongo - um caso de evolução convergente. Assim como ele, possui uma maior articulação intertarsal que permite dobrar as pernas para frente e para trás, permitindo explorar cavidades e buracos em árvores para capturar presas.

Próximo do final do dia, adentramos uma estrada de terra que seguia em direção ao Skukuza Camp. Comentei com Pedro e Rômulo que eu desejava muito encontrar a Bubo lacteus (bufo-de-verraux) na viagem, Pedro prometeu dizendo que em breve iríamos ver a espécie.

Como profetizado por Pedro, cerca de cinco minutos após a conversa, encontramos duas Bubo lacteus (bufo-de-verreaux), descansando em um galho baixo, a cerca de 3 metros da estrada. Era um indivíduo adulto e um jovem. Após comemorar o aparecimento da coruja, rapidamente pegamos nossas câmeras e fotografamos a tão desejada ave. Trata-se da maior coruja africana, mede de 60-66 cm de comprimento e peso de até 3 kg.

Depois de muitas fotos, eu e Rômulo seguimos o exemplo de Pedro e curtimos um pouco as corujas observando-as de binóculo. Nesse momento, com todos os registros realizados, me sentia completamente realizado.

Bufo-de-verreaux (Bubo lacteus), a maior coruja do continente africano. Kruger N. Park.
Águia-de-bateleur (Terathopius eucadatus). Kruger National Park.
Ainda no caminho de volta, com o sol quase tocando o horizonte, encontramos duas imponentes águias-fulva (A. rapax) pousadas em árvores secas próximas da estrada. Com essa cena encerramos mais um dia na savana africana.

No dia seguinte, seguimos pelo mesmo caminho e avistamos praticamente as mesmas espécies dos dias anteriores, incluindo muitos abutres e águias (H. wahlbergi, A. rapax, A. spilogaster. C. cinereus, T. caudatus). Um dos grandes momentos rapinológicos do dia foi topar com a belíssima águia-de-bateleur (T. ecadatus) pousada em uma árvore a poucos metros do carro. É a águia mais colorida da Áfricam sua coloração preta contrasta com branco e marrom, face e pernas vermelhas, dando um visual inconfundível.

De noite, ao sair do salão de eventos da conferência, notamos um grupo de pesquisadores com lanternas apontando para as árvores. De lá duas corujas vocalizam em dueto, um canto intrigante, eram Strix woodfordii (coruja-da-floresta). Tanto eu quanto o Rômulo estávamos sem nossas câmeras, fomos correndo no hotel buscá-las. Ao retornar as corujas ainda estavam lá cantando, nem precisou de playback, só seguimos em direção as árvores apontamos as lanternas e fotogramas as corujas.

No dia seguinte, 16 de novembro, encerramos nossa estadia no Kruger National Park. Nos próximos dois dias iriamos nos hospedar em um hotel fora do parque, a cerca de 200 km do Skukuza. O bom é que quase todo o trajeto até o próximo destino seria por dentro do parque.

Saímos cedo, quando paramos para fotografar uma águia-fulva (A. rapax), outra grande águia passou planando por nós. Era uma águia-marcial (P. bellicosus)!Coisa linda ver essa espécie em voo. Após algumas horas dirigindo, Rômulo solta uma sequência de gritos emocionados dizendo: SERPENTÁRIO!!!! SERPENTÁRIO!!

E era o próprio, o serpentário (Sagittarius serpentarius). Uma das espécies que todos nós queríamos ver na viagem. É uma ave de rapina de aparência única, que lembra nossas seriemas, também único representante da família Sagittaridae. O serpentário é assim chamado devido a sua dieta predominante de serpentes, incluindo espécies peçonhentas.

Serpentário (Sagittarius serpentarius), rapinante de aparência única. Kruger National Park.
No final do percurso, pouco antes de sair do Kruger, vimos um Melierax metabates (açor-cantador) pousado. É um gavião muito bonito, de coloração uniforme cinza, levemente barrado no ventre, com cera e tarsos laranja.

No outro dia, hospedados no Olifant River Lodge, saímos em um passeio de barco no rio Olifant. Avistamos muitas aves aquáticas, alguns elefantes, girafas e búfalos. O melhor momento foi quando três águias-açor-africana (A. spilogaster) circularam sobre nosso barco. Mas a ansiedade estava por conta do dia seguinte, iriamos retornar ao Parque Nacional Kruger e passar o dia todo nele.

Dia seguinte acordamos bem cedo e seguimos em direção ao portão de entrada do Kruger, o Phalaborwa gate. Nosso objetivo era percorrer cerca de 80 km do parque até o Letaba Camp, onde iriamos almoçar e conhecer o Museu do Elefante, depois circular nas estradas de lá. Assim que entramos no Kruger, avistamos um falcão-peregrino (Falco peregrinus). Alguns quilômetros à frente, encontramos outro rapinante, o Micronisus gabar (gavião-palrador), muito parecido com o M. metabates que vimos dias antes, diferenciando-se principalmente pelo menor tamanho e por alguns detalhes nas coberteiras superiores.

Ao longo do dia, encontramos muitas águias, abutres e gaviões, além de muitos leões. Um dos grandes sustos ficou por conta de um leopardo que saltou à nossa frente cruzando a estrada.

Leopardo (Panthera pardus) que cruzou a estrada a nossa frente. Kruger National Park.
Dia 19 era o momento de voltar a Joanesburgo, pois no dia seguinte era nosso voo para o Brasil. No percurso de volta, para encerrar a viagem com chave de outro, encontramos a águia-de-penacho (Lophaetus occipitalis) pousada em um poste às margens da rodovia. Quem primeiro viu a ave foi Rômulo, que ficou eufórico na direção e rapidamente estacionou o carro.

A águia-de-penacho foi a 27º espécie de rapinante que registramos na viagem. No total avistamos quase 200 espécies de aves, além de várias espécies emblemáticas de mamíferos, como elefantes, rinocerontes, girafas, zebras, gnus, búfalos, impalas, leões e hienas, incluindo algumas raridades como o cerval, leopardo e cão-selvagem.

Sem dúvidas foi uma viagem que jamais esquecerei, conhecer a África do Sul foi a realização de um sonho.

Rômulo Silva, Pedro Scherer-Neto e eu (Willian Menq) em um mirante às margens do rio Olifant, Kruger National Park (África do Sul), nov/2018.
Lista das espécies de rapinantes registradas no Kruger National Park e arredores:

1. secretário - Sagittarius serpentarius
2. águia-pescadora - Pandion haliaetus
3. peneireiro-cinzento - Elanus caeruleus
4. serpentário-pequeno - Polyboroides typus
5. abutre-real - Torgos tracheliotos
6. abutre-de-capucho - Necrosyrtes monachus
7. abutre-africano - Gyps africanus
8. águia-pintada - Terathopius ecaudatus
9. águia-cobreira-castanha - Circaetus cinereus
10. águia-marcial - Polemaetus bellicosus
11. águia-de-penacho - Lophaetus occipitalis
12. águia-de-wahlberg - Hieraaetus wahlbergi
13. águia-pomarina - Clanga pomarina
14. águia-fulva - Aquila rapax
15. águia-preta-e-branca - Aquila spilogaster
16. mioto-papa-lagartos - Kaupifalco monogrammicus
17. açor-cantador - Melierax metabates
18. açor-palrador - Micronisus gabar
19. gavião-chicra - Accipiter badius
20. milhafre-preto - Milvus migrans
21. águia-pescadora-africana - Haliaeetus vocifer
22. butio-comum - Buteo buteo
23. ógea - Falco subbuteo
24. falcão-peregrino - Falco peregrinus
25. southern white-faced owl - Ptilopsis granti
26. corujão-leitoso - Bubo lacteus
27. mocho-da-floresta - Strix woodfordii

Abutre-africano (Gyps africanus).
Águia-pescadora-africana (Haliaeetus vocifer).
Coruja-da-floresta (Strix woodfordii).
Rinoceronte-negro (Diceros bicornis).
Leão (Panthera leo).
Gavião-palrador (Micronisus galbar).
Águia-cobreira-castanha (Circaetus cinereus).
Águia-de-penacho (Lophaetus occipitalis).



Um comentário:

  1. Menq, soltei algumas risadas com o seu relato meu amigo, lembrando óbvio, os momentos detalhadamente descritos por você. Foi pra mim uma realização de um sonho também e um enorme prazer poder viajar ao seu lado e do grande ornitólogo, Pedro Scherer Neto! Grande Abraço.

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