30 de maio de 2016

Os rapinantes a serem (re)descobertos no Brasil

*por: Willian Menq.
Semana passada, no Avistar Brasil, fomos apresentados a uma das notícias ornitológicas mais fantásticas dos últimos tempos, a redescoberta da rolinha-do-planalto (Columbina cyanopis), desaparecida há 75 anos, considerada extinta pelos pesquisadores. A raríssima ave foi registrada pelo ornitólogo Rafael Bessa, durante uma expedição no interior de Minas Gerais. Notícias assim são incríveis, emocionantes e renovam nossas esperanças.

Aproveitando o tema, e nas aves de rapina do Brasil? Existem espécies que poderiam ser redescobertas?
Existem! Especialmente se pensarmos em níveis regionais/biomas. Na Mata Atlântica, por exemplo, há alguns rapinantes desaparecidos por décadas, como o gralhão (Ibycter americanus), que não é visto desde a década de 20; ou o tanatau (Micrastur mirandollei), também desaparecido da Mata Atlântica por décadas, conhecido por dois registros antigos nas matas de baixada do sul da Bahia e norte do Espírito Santo.

A subespécie extinta do gralhão (I. a. pelzelni) originalmente ocorria desde a Bahia até São Paulo e Paraná, associada sempre a matas próximas de rios, clareiras e bordas de matas bem conservadas. É um bicho escandaloso, vocaliza bastante e costuma viver em pequenos grupos, o que teoricamente o torna mais detectável. Já o M. mirandollei, ao contrário do I. americanus, é discreto e de difícil observação, podendo ser subamostrado, sendo um forte candidato a ser redescoberto na Mata Atlântica. Há três anos atrás, o falcão-críptico (Micrastur mintoni), estava em uma situação muito parecida com a do M. mirandollei, sem registros no bioma por quase 35 anos, até que foi redescoberto por José E. Simon e Gustavo Magnago (2013) no norte do Espírito Santo.

Dos rapinantes possivelmente extintos, o caso mais emblemático é o do caburé-do-pernambuco (Glaucidium mooreorum), descrito em 2002, e recentemente declarado extinto da natureza. Essa simpática corujinha é endêmica da Mata Atlântica do Pernambuco, conhecida apenas por dois registros: um da década de 90, obtido na Reserva Biológica Saltinho/PE, unidade de conservação de 565 ha; e outro de 2001, realizado na Usina Trapiche, em Sirinhaém/PE, um remanescente florestal de aproximadamente 100 ha. Desde então nunca mais foi registrada, várias expedições foram realizadas nos fragmentos da região na tentativa de reencontrá-la, mas nenhuma com êxito. Relatos não confirmados dizem que a G. mooreorum possuía atividade vocal mais frequente na estação chuvosa, entre abril e maio. Com base na ausência de registros dos últimos anos, e das diversas expedições ornitológicas na região, Pereira et al. (2014) consideraram a espécie como possivelmente extinta da natureza. Depois da notícia da rolinha, ainda tenho esperança de uma possível redescoberta da caburé-do-pernambuco, o que seria simplesmente fantástico! Foram inúmeras as vezes que toquei playback em áreas com grande ocorrência de G. brasilianum ou G. minutissimum e não obtive retorno; também não pode se destacar a possibilidade da espécie ocorrer em outros fragmentos da região nordeste.

Dentre as possíveis “descobertas”, há vários mistérios envolvendo rapinantes para serem elucidados, como a possibilidade de realizar o primeiro registro documentado de gavião-caranguejeiro-negro (Buteogallus anthracinus) em terras tupiniquins, ou de recolocar o falcãozinho-cinza (Spiziapteryx circumcincta) na lista de espécies do Brasil. Este último, devido a um avistamento feito por um grupo de observadores em Herval/RS, em 1998, foi adicionado à lista de aves com ocorrência no país. Mas após questionamentos de especialistas sobre a confiabilidade do registro, o S. circumcincta foi retirado da lista do CBRO em 2014. Apesar disso, a possibilidade de registrar o S. circumcincta no Brasil é grande, áreas do extremo sul do Rio do Grande do Sul ou no chaco sul-mato-grossense por exemplo, são regiões bem propícias, já que há registros muito próximos dessas áreas.

Outras possibilidades é a de registrar alguns rapinantes errantes no Brasil, sem registros recentes e sem fotos no país, como é o caso do condor-dos-andes (Vultur gryphus). A menção de V. gryphus no Brasil foi feita pelo ornitólogo Helmut Sick em 1979, relatando a existência de registros na “Ilha dos urubus”, no Rio Jauru, oeste do Mato Grosso. Há também um registro da década de 20 de um indivíduo abatido por militares da 5º Companhia de Fronteira nos arredores do Parque de Sete Quedas, em Guaíra/PR (Straube et al. 1991). Na tentativa de reencontrá-lo, algumas expedições ornitológicas foram realizadas no oeste do Mato Grosso, mas todas sem êxito. Sick (1997) diz que as aparições de condores no oeste do Mato Grosso, de 1979, ocorreram devido a migrações sazonais da espécie (a partir de sua distribuição para o oeste), dessa forma ocasionalmente aparecendo em território brasileiro, sendo portanto, uma das regiões com possíveis para o avistamento da espécie.

Há também a possibilidade de descobrir novas espécies para o Brasil, como o Spizaetus isidori, Harpyhaliaetus solitarius, Strix chacoensis, Circus cyaneus e outros rapinantes que possuem distribuição/registros em áreas muito próximas da fronteira com o Brasil, que apesar de várias limitações ecológicas e fitogeográficas, seriam possíveis de acontecer. A águia-solitária (Harpyhaliaetus solitarius), por exemplo, em alguns pontos de sua distribuição, conta com registros no Peru a cerca de 200 km da fronteira do Acre, que para um rapinante desses não é quase nada. Já pensou que legal seria uma notícia dessas? Não seria nada impossível! Quem sabe, um dia..

Buteogallus anthracinus, sem registros documentados no país. Foto: Danilo Mota. 

Ibycter americanus, extinto da Mata Atlântica. Foto: Wanieulli Pascoal

Spiziapteryx circumcincta, espécie que pode ser recolocada na lista de aves do Brasil. Foto: Fabrice Schmitt.

Artigos relacionados:
Redescoberta do Micrastur mintoni na Mata Atlântica:
Simon & Magnago (2013) - Link do artigo

Sobre a Glaucidium mooreorum e outras duas aves declaradas extintas:
Pereira et al. 2014 - Link do artigo

Visão geral das aves de rapina da Mata Atlântica:
Menq (2016) - Link do artigo

3 comentários:

  1. Cara, não sabia de tantas possibilidades. Gostei muito.

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    1. Muitas possibilidades Daniel, isso que não mencionei o Geranoaetus polyosoma (com poucos registros, nenhum documentado) e no Falco aesalon, anteriormente subespécie de F. columbarius, com um único registro antigo na costa da Bahia. Torcer algumas dessas possibilidades tornar-se realidades, quem sabe!

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  2. Ainda acho que muitas dessas aves podem ser encontradas. Como o exemplo da rolinha-do-planalto, quantos não passaram nessa mesma estrada e não pararam naquele ponto? O próprio Bessa poderia ter ido direto, não parando exatamente naquele ponto. E os locais de difícil acesso, sem estradas? Acho muito tênue os detalhes que proporcionam ou não um encontro extremamente relevante. E como temos muita e muita área, acredito que poderemos ter ainda muitas surpresas.

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