6 de fevereiro de 2019

O comportamento de brincar do falcão-de-peito-laranja

Foto: Kennia Mariela.
No mês passado, no município de Aragarças/GO, a observadora de aves Kennia Mariela encontrou dois jovens falcões-de-peito-laranja (Falco deiroleucus) e registrou alguns comportamentos inéditos para a espécie.

A observadora encontrou os falcões empoleirados em uma árvore seca na área rural da cidade. Eram indivíduos jovens, com idade estimada em 80-90 dias (geralmente saem do ninho com 60 dias de vida), oriundos de algum ninho da região.
Nessa idade já estão afastados da área do ninho e possuem pouca ou nenhuma ajuda dos pais na obtenção de alimento.

Kennia registrou os jovens por dois dias consecutivos. Os falcões estavam bem ativos no local, vocalizando e voando em círculos nos arredores da árvore. Segundo ela, uma das cenas mais impressionantes foi quando um dos jovens falcões perseguiu e atacou uma arara-canindé (Ara ararauna) que passou voando próximo da árvore. O falcão saiu em voo rápido do poleiro, quando as araras perceberam a aproximação do falcão se jogaram na vegetação rasteira para evitar o ataque. De acordo com a observadora, uma das araras foi atingida pelo falcão.

Por que o falcão atacou as araras?

As araras-canindé não fazem parte da dieta do falcão-de-peito-laranja, pois são muito maiores e mais pesadas que ele. Além disso, as araras são aves sociáveis, fortes e tornam-se agressivas quando capturadas, oferecendo sérios riscos para um predador inexperiente. Por conta disso, descarta-se a hipótese de predação.

Provavelmente o falcão estava realizando um “comportamento de brincar”, um tipo de comportamento que tem como principal função desenvolver as habilidades motoras, sociais e cognitivas, além de treinamento do comportamento predatório da ave.

É comum jovens rapinantes brincar de perseguir outras aves, inclusive contra espécies que não fazem parte de sua dieta. No Brasil, por exemplo, existem registros de falcões-peregrinos (Falco peregrinus) perseguindo urubus (Coragyps atratus), sem a intenção de atingir ou capturar a ave; e gavião-miúdo (Accipiter striatus) perseguindo amistosamente gralhas-cancã (Cyanocorax cyanopogon). Sick (1997) também relata a observação de um falcão-de-coleira (Falco femoralis) perseguindo, “sem tentar capturar”, um grupo com várias espécies de Passeriformes. Além de perseguir outras espécies, jovens irmãos costumam brincar entre si, geralmente através de perseguições, manipulação de objetos ou captura de insetos.

Jovens falcões-de-peito-laranja (Falco deiroleucus) encontrados na área rural de Aragarças/GO.
Foto: Kennia Mariela.
Kennia também observou os jovens voando juntos e perseguindo um ao outro nos arredores da árvore. Em dado momento, a observadora viu um dos jovens arrancar um graveto da árvore e levar consigo em voo, soltando no ar e capturando em seguida. É um tipo de brincadeira muito importante em rapinantes que perseguem presas em voo, como é o caso do falcão-de-peito-laranja.

Essas brincadeiras, embora já registradas em outras espécies de rapinantes, ainda não tinham sido relatadas no falcão-de-peito-laranja. São observações interessantes que podem auxiliar na compreensão dos padrões ecológicos e comportamentais destas aves.

Jovem falcão (Falco deiroleucus) com graveto recém arrancado da árvore. Esse indivíduo usou o graveto para "brincar", levando consigo em voo, soltando no ar e capturando em seguida. Foto: Kennia Mariela.

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